Denúncias externas e como lidar com elas : um guia para as equipas de responsáveis pelas denúncias

Denúncias externas e como lidar com elas : um guia para as equipas de gestão responsáveis pelas denúncias

No artigo anterior falamos sobre a obrigação das entidades que ao abrigo da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, estão obrigadas a adoção de canais de denúncias e instituição das regras a que deve obedecer a denúncia interna.

Como mencionado no referido artigo, as infrações podem ser denunciadas por meio de canais de denúncia internos ou externos ou divulgadas publicamente, estando previstas regras de utilização e de precedência entre os diferentes meios.

A deteção e a prevenção eficazes de violações do direito da União requerem a garantia de que os potenciais denunciantes possam comunicar, facilmente e com total confidencialidade, as informações de que dispõem às autoridades competentes para investigar e solucionar o problema, sempre que possível.

Precedência entre os meios de denúncia e divulgação pública

Em regra, o denunciante deverá recorrer aos canais de denúncia interna. No entanto há casos em que os canais internos poderão não existir ou ter sido utilizados, mas não funcionar corretamente, por exemplo, por a denúncia não ter sido tratada com diligência ou num prazo razoável ou não terem sido tomadas as medidas adequadas para resolver a violação, apesar dos resultados do respetivo inquérito interno confirmarem a existência de uma violação.

Noutros casos, não é razoável esperar que os canais internos funcionem corretamente. Tal acontece, particularmente, caso os denunciantes tenham razões válidas para crer que sofrerão atos de retaliação devido à denúncia, nomeadamente em resultado da violação da confidencialidade, ou que as autoridades competentes estarão em melhor posição para tomar medidas efetivas para resolver a violação.

As autoridades competentes estarão em melhor posição, por exemplo, caso a pessoa sobre a qual recai a responsabilidade última no contexto profissional esteja envolvida na violação, ou exista um risco de a violação ou as provas com ela relacionadas serem ocultadas ou destruídas, ou, em termos mais gerais, a eficácia das medidas de investigação das autoridades competentes poder ser comprometida, como no caso de denúncias sobre cartelização e outras violações das regras de concorrência, ou de a violação exigir medidas urgentes, por exemplo, para proteger a saúde e a segurança das pessoas e proteger o ambiente.

A falta de confiança na efetividade da denúncia constitui um dos principais fatores desencorajantes dos potenciais denunciantes. Assim, é necessário impor às autoridades competentes uma obrigação clara de criarem os canais adequados para denúncias externas, de darem um seguimento diligente às denúncias recebidas e, num prazo razoável, darem aos denunciantes retorno de informação.

O denunciante só pode recorrer a canais de denúncias externas quando:

– Não exista canal de denúncia interna;

– O canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante;

– Tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação;

– Tenha inicialmente apresentado uma denúncia interna sem que lhe tenham sido comunicadas as medidas previstas ou adotadas na sequência da denúncia nos prazos previstos; ou

– A infração constitua crime ou contraordenação punível com coima superior a 50 000 (euro).

Capacidades das autoridades competentes

Enquanto recetoras das denúncias, as autoridades designadas como competentes deverão dispor das capacidades e dos poderes necessários para garantir o seguimento adequado, nomeadamente a apreciação da exatidão das alegações constantes da denúncia e a resolução das violações denunciadas através da abertura de um inquérito interno, de uma investigação, de ação penal, de uma medida de recuperação de fundos ou de outras medidas corretivas adequadas, nos termos do seu mandato.

Em alternativa, essas autoridades deverão dispor dos poderes necessários para remeter a denúncia para outra autoridade que deverá investigar a violação denunciada, ao mesmo tempo que asseguram que é dado o seguimento adequado por essa autoridade.

Autoridades competentes

As denúncias externas são apresentadas às autoridades que, de acordo com as suas atribuições e competências, devam ou possam conhecer da matéria em causa na denúncia, incluindo:

a) O Ministério Público;

b) Os órgãos de polícia criminal;

c) O Banco de Portugal;

d) As autoridades administrativas independentes;

e) Os institutos públicos;

f) As inspeções-gerais e entidades equiparadas e outros serviços centrais da administração direta do Estado dotados de autonomia administrativa;

g) As autarquias locais; e

h) As associações públicas.

Quando seja apresentada a autoridade incompetente, a denúncia é remetida oficiosamente à autoridade competente, disso se notificando o denunciante, sendo que, neste caso, considera-se como data da receção da denúncia a data em que a autoridade competente a recebeu.

Nos casos em que não exista autoridade competente para conhecer da denúncia ou nos casos em que a denúncia vise uma autoridade competente, deve a mesma ser dirigida ao Mecanismo Nacional Anticorrupção e, sendo esta a autoridade visada, ao Ministério Público, que procede ao seu seguimento, designadamente através da abertura de inquérito sempre que os factos descritos na denúncia constituam crime.

Se a infração respeitar a crime ou a contraordenação, as denúncias externas podem sempre ser apresentadas através dos canais de denúncias externas do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal, quanto ao crime, e das autoridades administrativas competentes ou das autoridades policiais e fiscalizadoras, quanto à contraordenação.

Seguimento da denúncia externa

As autoridades competentes notificam o denunciante da receção da denúncia no prazo de sete dias.

No seguimento da denúncia, as autoridades competentes praticam os atos adequados à verificação das alegações aí contidas e, se for caso disso, à cessação da infração denunciada, inclusive através da abertura de inquérito ou de processo ou da comunicação a autoridade competente.

As autoridades competentes comunicam ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia e a respetiva fundamentação no prazo máximo de três meses a contar da data da receção da denúncia, ou de seis meses quando a complexidade da denúncia o justifique.

O denunciante pode requerer, a qualquer momento, que as autoridades competentes lhe comuniquem o resultado da análise efetuada à denúncia no prazo de 15 dias após a respetiva conclusão.

Arquivamento das denúncias

Para assegurar a eficácia dos procedimentos para dar seguimento às denúncias e resolver as violações das regras da União em causa, os Estados-Membros podem tomar medidas para aliviar os encargos para as autoridades competentes resultantes de denúncias de violações menores.

Tais medidas consistem em permitir às autoridades competentes, após devida avaliação da matéria, decidirem que uma violação denunciada tem manifestamente caráter menor, não exigindo por isso outro seguimento, que não seja o arquivamento.

Obrigação de informação

As pessoas que pretendem fazer denúncias deverão poder tomar uma decisão esclarecida sobre se, como e quando o devem fazer. Por conseguinte, as autoridades competentes deverão prestar informações claras e facilmente acessíveis sobre os canais disponíveis para denúncias às autoridades competentes, os procedimentos aplicáveis e o pessoal que é responsável por tratar das denúncias no contexto dessas autoridades. Todas as informações relativas à denúncia de irregularidades deverão ser transparentes, facilmente compreensíveis e fiáveis, a fim de promover a denúncia e não dissuadi-la.

As autoridades competentes publicam nos respetivos sítios na Internet, em secção separada, facilmente identificável e acessível, pelo menos as seguintes informações:

a) Condições para beneficiar de proteção ao abrigo da lei ou ao abrigo dos regimes de proteção de denunciantes;

b) Dados de contacto dos canais de denúncias externas;

c) Procedimentos aplicáveis à denúncia de infrações, nomeadamente a forma pela qual a autoridade competente pode solicitar ao denunciante que clarifique a denúncia apresentada ou que preste informações adicionais, inclusivamente em situações de anonimato, e o prazo que a autoridade tem para prestar ao denunciante informações fundamentadas sobre as medidas previstas ou tomadas para dar seguimento à denúncia;

d) Regime de confidencialidade aplicável às denúncias;

e) Tipo de medidas que podem ser tomadas para dar seguimento às denúncias;

f) Vias de recurso e procedimentos de proteção contra atos de retaliação;

g) Disponibilidade de aconselhamento confidencial para as pessoas que ponderam apresentar uma denúncia; e

h) Condições em que o denunciante não incorre em responsabilidade por violação de deveres de confidencialidade ou outros.

Criação dos canais de denúncia

A fim de permitir uma comunicação eficaz com o pessoal responsável por tratar das denúncias, as autoridades competentes deverão criar canais que sejam fáceis de utilizar, seguros, garantam a confidencialidade para receber e tratar as informações prestadas pelo denunciante sobre violações e permitam o armazenamento duradouro de informações para permitir investigações mais aprofundadas.

Confidencialidade

A identidade do denunciante, bem como as informações que, direta ou indiretamente, permitam deduzir a sua identidade, têm natureza confidencial e são de acesso restrito às pessoas responsáveis por receber ou dar seguimento a denúncias.

A obrigação de confidencialidade referida estende-se a quem tiver recebido informações sobre denúncias, ainda que não responsável ou incompetente para a sua receção e tratamento.

A identidade do denunciante só é divulgada em decorrência de obrigação legal ou de decisão judicial.

Responsáveis pelo tratamento de denúncias externas

O pessoal das autoridades competentes que é responsável pelo tratamento das denúncias, deverá ter formação profissional, nomeadamente sobre as normas aplicáveis em matéria de proteção de dados, para tratar das denúncias e assegurar a comunicação com os respetivos denunciantes, bem como para dar o seguimento adequado à denúncia.

Tratamento de dados pessoais

O tratamento de dados pessoais ao abrigo da presente lei, incluindo o intercâmbio ou a transmissão de dados pessoais pelas autoridades competentes, observa o disposto no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados[1].

É necessário que o pessoal da autoridade competente, que é responsável pelo tratamento de denúncias, e o pessoal da autoridade competente, que tem direito a aceder às informações prestadas pelo denunciante, respeitem o dever de segredo profissional e de confidencialidade na transmissão dos dados no interior e para o exterior da autoridade competente.

Conservação de denúncias

As entidades obrigadas e as autoridades competentes responsáveis por receber e tratar denúncias ao abrigo da presente lei devem manter um registo das denúncias recebidas e conservá-las, pelo menos, durante o período de cinco anos e, independentemente desse prazo, durante a pendência de processos judiciais ou administrativos referentes à denúncia.

Caso a denúncia seja apresentada em reunião presencial, as entidades obrigadas e as autoridades competentes asseguram, obtido o consentimento do denunciante, o registo da reunião mediante:

– Gravação da comunicação em suporte duradouro e recuperável; ou

– Ata fidedigna.

_______________________________

[1] Aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, na Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679, e na Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto, que aprova as regras relativas ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão de infrações penais ou de execução de sanções penais.

 

Maria Cristina Freitas, Advogada

 

Publicado a: 24/04/2023

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